O abuso de poder no trabalho continua sendo um problema silencioso e, muitas vezes, normalizado nas empresas. Frases como “ele só cobra porque é exigente” ou “é o estilo firme dele” ainda encobrem práticas abusivas sob o rótulo de liderança.
Os dados da Justiça do Trabalho mostram que, do ano de 2020 a 2023, foram julgadas 419.342 ações envolvendo assédio moral e assédio sexual. O volume de processos julgados sobre assédio moral aumentaram 5% durante o período avaliado.
Embora nem todo abuso de poder seja enquadrado como assédio moral, os dois fenômenos por vezes caminham juntos. São expressões do mesmo desequilíbrio de forças, em que a hierarquia é usada para silenciar, desestabilizar ou prejudicar.
Neste artigo, entenda o que caracteriza o abuso de poder, como ele se manifesta no ambiente corporativo e por que o RH precisa estar atento para reagir e prevenir a empresa. Confira o que será explicado mais adiante:
- O que é abuso de poder no ambiente de trabalho?
- Quais são os tipos de abusos de poder no trabalho?
- Exemplos práticos de abuso de poder nas empresas
- Qual é o impacto do abuso de poder para os colaboradores e para a empresa?
- Como prevenir o abuso de poder nas organizações?
- Outras dúvidas sobre abuso de poder no trabalho

Quer saber como estruturar uma estratégia de prevenção? Continue lendo!
O que é abuso de poder no ambiente de trabalho?
O abuso de poder no ambiente de trabalho ocorre quando alguém em posição de autoridade na empresa,como líderes, supervisores ou gestores hierárquicos, usa seu cargo para prejudicar, intimidar ou humilhar um funcionário.
A Constituição Federal assegura a proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) princípio fundamental que resguarda o trabalhador contra condutas que atentem contra sua integridade emocional, honra ou bem-estar psicológico Logo, quando alguém usa seu cargo para abusar da autoridade, está ferindo um direito garantido a todo cidadão.
Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por sua vez, prevê no artigo 483 que o trabalhador pode pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho caso o empregador cometa condutas abusivas.
Isso quer dizer que, diante de atitudes como humilhações, exigências desumanas ou tratamento abusivo, o empregado pode deixar a empresa e ainda assim manter seus direitos trabalhistas, como se tivesse sido demitido sem justa causa.
Nos últimos anos, a legislação avançou ainda mais. A Lei 14.457/2022 passou a exigir que empresas adotem medidas efetivas para prevenir o assédio, incluindo treinamentos obrigatórios e canais internos para denúncias.
Quais são os tipos de abusos de poder no trabalho?
Cada abuso de poder afeta o colaborador de um jeito, e, quanto mais silencioso, mais difícil de identificar. Na lista abaixo, confira os tipos mais comuns de abuso de poder no trabalho e como eles funcionam na prática.
Psicológico
É o uso da autoridade para fragilizar mentalmente o trabalhador com estratégias que geram insegurança, medo ou dúvida sobre sua própria capacidade. Esse tipo de abuso pode não envolver gritos ou ofensas, mas aparece em críticas, ironias disfarçadas de “brincadeiras”, tratamento desigual ou tentativas de isolar a pessoa do grupo.
Emocional
É quando a autoridade é usada para provocar sofrimento emocional, por meio de atitudes agressivas, humilhações ou manipulação afetiva. Nesse tipo de abuso, o colaborador não é apenas criticado, ele é exposto, diminuído ou emocionalmente chantageado.
Estrutural
É a forma de abuso que está enraizada nas regras da empresa e na maneira como a organização funciona. Diferente dos outros, o problema não está só em uma pessoa, está em um sistema que permite ou estimula práticas abusivas.
Exemplos práticos de abuso de poder nas empresas

Os episódios de abuso de poder nem sempre são escandalosos, e reconhecer essas situações é o primeiro passo para combatê-las. Confira casos de abuso de poder que acontecem com frequência nas empresas:
- Gritar com o funcionário na frente da equipe como forma de “dar exemplo”;
- Ignorar contribuições em reuniões ou apresentações, mesmo quando o colaborador é responsável direto pelo resultado;
- Cobrar respostas urgentes por WhatsApp fora do horário de trabalho, com tom de ameaça;
- Pedir que o funcionário fique após o expediente, repetidamente, sem pagamento ou compensação;
- Sobrecarregar uma pessoa com tarefas enquanto outros membros da equipe ficam ociosos;
- Fazer “brincadeiras” que expõem ou ridicularizam o funcionário diante dos colegas;
- Rebaixar publicamente o desempenho de alguém sem apresentar dados ou dar direito de resposta;
- Promover colegas com base em afinidade pessoal, ignorando desempenho e critérios previamente definidos;
- Usar avaliações de desempenho para pressionar ou calar quem expressa opiniões diferentes;
- Ignorar denúncias de assédio ou abuso feitas ao RH, sem apurar ou dar retorno ao denunciante.
Qual é o impacto do abuso de poder para os colaboradores e para a empresa?
Os impactos do abuso de poder no ambiente de trabalho são profundos e não se limitam a quem sofre diretamente com o problema. Na lista abaixo, entenda os principais efeitos desse tipo de abuso.
Efeitos na saúde mental e emocional dos profissionais
O primeiro impacto, e talvez o mais grave, é sobre a saúde mental dos colaboradores. O abuso, as pressões desumanas e os constrangimentos causam ansiedade, estresse, insegurança, insônia e até depressão. E não é à toa.
Quando o profissional trabalha em um ambiente onde o medo fala mais alto que o respeito, o desgaste emocional se torna inevitável. É o que Ivone Granadeiro, especialista em Talent Acquisition , reforça sobre o assunto:
“A liderança tem um papel crucial em promover conversas abertas, oferecer suporte emocional e direcionar o time para buscar ajuda profissional, demonstrando compromisso com a saúde mental.”
Queda de produtividade, absenteísmo e rotatividade
Funcionários desmotivados, ansiosos ou deprimidos não conseguem manter o foco, entregar resultados ou colaborar com os colegas.
E, mesmo quando estão fisicamente presentes, muitas vezes estão mentalmente esgotados. Thiago Liguori, médico e diretor de saúde da Pipo Saúde, explica isso:
“Uma pessoa não está se sentindo bem e vai trabalhar, isso se chama presenteísmo. Ela está sentada na cadeira do escritório, mas a cabeça não está ali. A pessoa vai trabalhar com um quadro de ansiedade e depressão, não consegue trabalhar e se afasta, gerando absenteísmo e atestados. Portanto, o foco em saúde é um foco na cultura da empresa. É muito importante que as empresas tenham esse olhar.”
Danos à imagem e à cultura organizacional
O que começa com um líder tóxico pode, aos poucos, contaminar toda a cultura da empresa. Quando o abuso de poder se repete e não há medidas para combatê-lo, a mensagem que fica é de omissão. Isso desgasta a confiança dos colaboradores e cria uma cultura de medo, silêncio e desrespeito.
Do lado de fora, a reputação também sofre: sites de avaliação como Glassdoor, comentários nas redes sociais e até processos trabalhistas públicos mostram que a empresa não cuida de suas pessoas. A psicóloga organizacional Lara Avelino alerta:
“Um desafio maior surge quando a cultura organizacional é muito voltada a métricas e números, focando excessivamente em trabalho e metas, e esquecendo o olhar humanizado, de entender que, apesar das metas, temos pessoas.”
Como prevenir o abuso de poder nas organizações?

O compromisso com ambientes seguros e justos não pode ser apenas retórico, exige medidas documentadas e monitoradas. A seguir, estão três frentes alinhadas com recomendações de organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os princípios da ESG (Environmental, Social and Governance).
1. Estabelecimento de uma política institucional clara contra abusos de poder
A ausência de diretrizes favorece a impunidade. Por isso, é imprescindível que a organização possua uma política formalizada que defina o que constitui abuso de poder, quais são os canais de denúncia e quais serão as consequências para quem o praticar.
É preciso ir além de códigos genéricos de conduta e se basear em princípios de equidade, proporcionalidade e respeito à dignidade humana. A OIT recomenda que esses documentos estejam alinhados a práticas de “trabalho decente”, que reforcem o papel das empresas na promoção de ambientes laborais saudáveis.
2. Fortalecimento da escuta interna
Não há prevenção sem escuta. O colaborador precisa ter segurança para relatar abusos sem medo de retaliação. Isso só é possível com a existência de canais de denúncia independentes, sigilosos e geridos com isenção.
A denúncia não pode ser tratada como ameaça à imagem da empresa. Organismos internacionais como o Pacto Global da ONU e o ISO 37002 (Diretrizes para Sistemas de Gestão de Denúncias) orientam que as empresas mantenham sistemas de reporte interno, com registros auditáveis e indicadores de resposta.
3. Formação de lideranças com foco em responsabilidade e empatia
Um dos principais fatores de risco para o abuso de poder é o despreparo da liderança. Chefes que confundem comando com autoritarismo ou que usam a posição para reforçar vaidades pessoais são peças centrais na perpetuação do problema.
Por isso, é necessário investir na formação contínua de gestores, com ênfase em escuta ativa, gestão emocional, equidade e responsabilidade ética. O Fórum Econômico Mundial e a OIT indicam que a liderança inclusiva, empática e orientada para o coletivo é uma das chaves para culturas organizacionais mais saudáveis.
Outras dúvidas sobre abuso de poder no trabalho
Mesmo depois de entender o que é abuso de poder no trabalho, é natural que ainda surjam dúvidas sobre como agir ou como identificar os limites entre o que é aceitável e o que configura uma violação.
Abaixo, estão perguntas frequentes que orientam tanto quem sofre quanto quem presencia situações abusivas no ambiente profissional.
O que fazer ao presenciar ou sofrer abuso de poder no trabalho?
O primeiro passo é registrar o ocorrido. Guarde mensagens, e-mails, datas e detalhes das situações vividas, pois esse tipo de documentação pode ser fundamental em casos futuros. Em seguida, o profissional pode buscar os canais internos da empresa, como o setor de RH, a ouvidoria ou a CIPA, se houver.
Como o abuso de poder se relaciona com o assédio moral?
O abuso de poder pode ser a base do assédio moral quando o uso da autoridade é repetitivo e tem o objetivo ou o efeito de desestabilizar ou isolar o trabalhador. O assédio moral é uma forma específica de violência psicológica que se dá de forma sistemática.
O abuso de poder pode acontecer entre colegas de mesmo nível hierárquico?
Sim, pode. Embora o termo “abuso de poder” esteja geralmente associado a líderes ou gestores, ele também pode ocorrer entre colegas de trabalho que tentam exercer uma influência indevida sobre os outros.
Conclusão
Uma lição importante sobre o abuso de poder no trabalho é que ele não se limita a comportamentos extremos e visíveis. O abuso pode se manifestar de forma sutil, disfarçado de cobrança por resultados.
Justamente por isso, é dever das organizações a partir do setor de Recursos Humanos reconhecer os sinais, agir com responsabilidade e criar estruturas que protejam os colaboradores.
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