Microtarefas são autorizadas pela CLT em 2025?
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Time Pontotel 8 de agosto de 2025 Gestão de Pessoas

Microtarefas: conheça o que é, como está relacionada à inteligência artificial e os riscos jurídicos dessa prática

O que são microtarefas? Aprenda se é possível ganhar dinheiro fazendo microtarefas e quais são os impactos dessa forma de trabalho no Brasil.

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As microtarefas são pequenas atividades feitas de forma online e possuem, entre outros fins, o objetivo de treinar sistemas de inteligência artificial e gerar engajamento em plataformas digitais. Porém, embora pareça simples, tais atividades ainda são pouco transparentes no mundo.

No Brasil, por exemplo, parte dessas tarefas é feita por mulheres: cerca de 63% da força de trabalho nesse setor, conforme o estudo “Fabricar os dados: o trabalho por trás da Inteligência Artificial”. E, se comparado a países desenvolvidos, aqueles em desenvolvimento têm uma média de rendimento menor, revisitando outra problemática.

Somado a isso, o microtrabalho levanta questões sérias, como baixos salários e riscos jurídicos. A saúde mental dos trabalhadores também é afetada e, acerca disso, a psicóloga clínica Ana Laura Freitas aconselha que é necessário “pensar nos impactos a curto, médio e longo prazo para a cognição, saúde mental e, claro, comportamento”.

Esse tema, por ter muitas nuances, como os pontos positivos e negativos das microtarefas, em especial pela falta de fundamentação na lei brasileira, requer uma análise mais profunda. Este texto fará isso por meio dos seguintes tópicos:

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Tenha uma boa leitura!

 

O que são microtarefas?

várias moedas de um real, cinquenta centavos e vinte e cinco centavos em fundo roxo

As microtarefas, ou microtasks, são atividades simples, repetitivas e geralmente rápidas que as pessoas fazem em plataformas online. Como conceitua o Relatório Diplan & Latraps, que trata justamente a respeito do microtrabalho no Brasil, tais atividades são:

“Um trabalho informal, disperso globalmente, sem proteções sociais e trabalhistas, porém que cumpre papel central no desenvolvimento tecnológico de nossa sociedade”

Na prática, essas atividades costumam envolver algumas ações, como classificar imagens (image tagging) e transcrição de áudios curtos, validação de dados ou identificação de objetos em vídeos. São exemplos típicos de atividades usados no treinamento de algoritmos de inteligência artificial, especialmente em modelos de aprendizado de máquina supervisionado.

Além disso, também são caracterizadas pelo fato de cada tarefa isolada render centavos, frequentemente inferiores a R$ 0,10 por execução, sozinhas, não exigirem muita qualificação técnica, o que as tornam acessíveis, mas também precárias em termos de proteção trabalhista.

Nesse sentido, essa forma de trabalho faz parte de um tipo de trabalho chamado crowdwork, ou trabalho em multidão, uma vertente da chamada plataformização do trabalho. Nele, as empresas distribuem, por meio da internet, tarefas para milhares de pessoas espalhadas pelo mundo.

Ainda, essa lógica de trabalho tem semelhanças com o chamado taylorismo digital, uma versão atualizada do modelo industrial criado por Frederick Taylor. Nele, o foco está na eficiência e divisão máxima das atividades, mas agora com um controle feito por algoritmos e plataformas digitais.

Quais são os principais sites de microtarefas?

No Brasil e no mundo, há várias plataformas digitais que conectam empresas a pessoas dispostas a realizar microtarefas em troca de pequenas quantias. Algumas das mais conhecidas são:

  • Amazon Mechanical Turk (MTurk): uma das pioneiras, bastante usada por empresas e pesquisadores para tarefas como rotulagem de dados, validação de conteúdo e classificação de imagens;
  • Appen: conhecida por oferecer trabalhos voltados ao treinamento de inteligência artificial, como análise de texto, voz e imagem;
  • Clickworker: plataforma que oferece tarefas variadas, desde responder pesquisas até revisar textos ou avaliar resultados de busca;
  • Microworkers: oferece pequenas atividades como curtir páginas, assistir a vídeos, testar sites e responder questionários;
  • Remotasks: especializada em rotulagem de imagens, vídeos e outros dados que alimentam modelos de machine learning.

Diferença entre microtarefas, freelancers e “bicos digitais”

Embora pareçam semelhantes à primeira vista, as microtarefas, os trabalhos de freelancers e os chamados “bicos digitais” têm diferenças importantes, principalmente no tipo de trabalho, no nível de autonomia e na remuneração. Na tabela, confira os detalhes:

AspectoMicrotarefasFreelancersBicos digitais
Tipo de trabalhoTarefas pequenas, repetitivas e simples.Projetos mais complexos e personalizados.Serviços pontuais oferecidos via apps.
RemuneraçãoPor tarefa, geralmente centavos.Por projeto ou hora, então os valores geralmente são maiores.Por serviço, logo, varia conforme cada tipo de demanda.
ExemplosRotular imagens e transcrever áudios.Trabalho de design e redação.Entregas e aulas online.
QualificaçãoNão exige especialização.Média a alta, mas isso depende do serviço.Bem variável, pois também depende do serviço.
 

Como funciona o microtrabalho, na prática?

O microtrabalho (ou microwork) funciona por meio de plataformas digitais que distribuem tarefas simples e rápidas para milhares de pessoas ao redor do mundo: os usuáriosse cadastram nessas plataformas, passam por etapas de qualificação e escolhem as microtarefas disponíveis, como classificar imagens, e as realiza uma a uma. 

Ao final, ele recebe uma pequena quantia por cada tarefa concluída, frequentemente pagos em dólar ou por meio de carteiras digitais..

Um ponto de atenção, no entanto, é que, embora seja possível trabalhar de qualquer lugar e em horários flexíveis, o pagamento é baixo e depende da quantidade de tarefas feitas. Por isso, para garantir uma renda mínima, é comum que o microtrabalhador passe muitas horas executando tarefas repetitivas.

Do captcha ao treinamento de IA: quais os principais tipos de tarefas?

As microtarefas abrangem desde atividades simples até funções mais complexas que ajudam a treinar sistemas de inteligência artificial. No Brasil, por exemplo, esse tipo de trabalho tem se destacado como importante base de mão de obra para o desenvolvimento da inteligência artificial global

Nesse sentido, como abordado anteriormente, há vários tipos de plataformas, cujos tipos de microtarefas mudam bastante. Entre os principais tipos estão:

  • Resolver captchas: identificar e digitar letras, números ou imagens para provar que uma pessoa não é um robô;
  • Classificação de imagens e vídeos: rotular fotos ou vídeos, como identificar objetos, pessoas, emoções ou cenas específicas;
  • Transcrição de áudio: transformar áudios curtos em texto, o que ajuda a treinar assistentes de voz e sistemas de reconhecimento;
  • Moderação de conteúdo: revisar comentários, posts e imagens para filtrar conteúdos impróprios ou ofensivos;
  • Pesquisa e navegação: visitar sites, clicar em links, assistir a vídeos ou interagir com conteúdos para gerar tráfego e dados de uso;
  • Criação e manipulação de perfis: criar contas falsas em redes sociais para curtir, seguir e comentar, aumentando artificialmente o engajamento;
  • Treinamento de IA: alimentar algoritmos com dados anotados, classificações e correções para melhorar o aprendizado de máquinas em tarefas como visão computacional e processamento de linguagem natural.

Quanto se paga por microtarefas?

A remuneração por microtarefas é, em sua maioria, extremamente baixa, refletindo a lógica de gig economy e trabalho sob demanda. Geralmente, ele é calculado por tarefa realizada e isso, na maioria das vezes, rende só alguns centavos de real ou dólar. Como pontua o já citado Relatório Diplan & Latraps, “R$582,71 é a média mensal de rendimentos”.

Assim, o que se tem são algumas plataformas pagam em centavos de dólar por tarefa, enquanto outras podem oferecer valores maiores, chegando a alguns dólares por tarefa mais complexa. O ponto central, porém, e ainda conforme o relatório, “é que os trabalhadores ganham 3 vezes menos do que esperavam mensalmente nas plataformas”.

 

O que diz a legislação brasileira sobre os microtrabalhos?

Atualmente, o microtrabalho no Brasil não tem enquadramento legal específico. Como pontua o pesquisador e psicólogo Matheus Viana Braz:

“Não houve nenhum país que regularizou o microtrabalho. Existem várias iniciativas em curso, que tudo indica que essa regulamentação vai começar pela Europa”.

Diante desse cenário, essa atividade acontece à margem das leis trabalhistas tradicionais, como a CLT, e também não se encaixa completamente nas normas que regem o trabalho autônomo. Como resultado, essa forma de trabalhar cai em um “limbo jurídico”. 

Em outras palavras, os trabalhadores que atuam em plataformas de microtarefas ficam sem direitos básicos como férias, 13º salário, descanso remunerado ou proteção em caso de doenças e acidentes

Apesar disso, especialistas em Direito do Trabalho alertam para os riscos desse modelo se tornar uma nova forma institucionalizada de subemprego digital, afinal, a ausência de regras claras abre espaço para abusos, como pagamentos não realizados e falta de qualquer tipo de suporte aos trabalhadores. 

O microtrabalho no Brasil não se enquadra claramente na CLT nem como trabalho autônomo tradicional. Ele não reúne as características do emprego formal, como subordinação jurídica, habitualidade, onerosidade e pessoalidade, nem oferece a autonomia plena típica dos autônomos, pois é controlado por plataformas e algoritmos.

Por isso, está em um “limbo jurídico”, sem regulamentação específica no Brasil — pelo menos, não até o momento — que garanta direitos e proteção. Essa falta de regras dificulta a fiscalização e até deixa os trabalhadores vulneráveis

E isso, infelizmente, ressalta outra problemática: o relatórioFairwork Cloudwork Ratings 2022” demonstrou que, quando se trata de âmbito global, as plataformas de microtarefas ainda “estão longe de garantir os padrões básicos de trabalho justo”. Junto a isso, os trabalhadores “estão sujeitos a uma série de condições de trabalho injustas”.

 

Quem é afetado pelos microtrabalhos?

Os microtrabalhos afetam principalmente pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, como trabalhadores informais, desempregados e quem busca uma renda extra. No Brasil, muitos dependem dessas atividades para complementar o orçamento do mês, ainda que os ganhos sejam baixos e instáveis, como já discutido.

Sobre isso, o estudo “Heteromação e microtrabalho no Brasil”, pontua que “as plataformas de microtrabalho parecem se proliferar em nosso país, de maneira que os trabalhadores servem como mão de obra barata, invisível e temporária a crowdworks globais, que prescindem de qualquer responsabilização perante as regulações trabalhistas locais”.

Além dos próprios trabalhadores, as empresas que contratam esses serviços também são impactadas. Elas, porém, se beneficiam da mão de obra barata para alimentar sistemas de inteligência artificial e outras demandas. Sob outra perspectiva, lidam com desafios relacionados, sobretudo, a riscos jurídicos devido à precarização desse tipo de trabalho.

É complemento de renda, trabalho primário ou precarização?

Esse é um questionamento, de certa forma, polêmico. Para muitas pessoas, as microtarefas funcionam como um complemento de renda. É uma forma de ganhar um dinheiro extra para ajudar nas despesas do dia a dia.

Por outro lado, para outra parcela de trabalhadores, principalmente em países como o Brasil, o microtrabalho acaba se tornando a principal fonte de renda, apesar de ser mal remunerado e instável

De toda forma, o que isso evidencia, na prática, é uma situação de precarização: trabalhos sem direitos, sem garantias legais, com jornada exaustiva e pagamentos baixos. Sobre isso, o consultor de negócios Courtnay Nery Guimarães traz um ponto importante:

“Plataformas de microtarefas oferecem migalhas de ocupação simulada – classificar imagens, transcrever áudios, treinar algoritmos – atividades tão fragmentadas que nem mesmo as máquinas as querem. São trabalhos-zumbi: mortos-vivos digitais que mantêm humanos ocupados sem produzir valor significativo”

Como isso impacta as empresas?

Para as empresas, o microtrabalho é uma forma rápida, flexível e econômica de realizar tarefas que seriam difíceis ou caras de automatizar completamente. Elas alimentam e treinam sistemas de IA, moderam conteúdos e geram dados em larga escala usando mão de obra global que trabalha remotamente e recebe baixos valores.

No entanto, esse modelo também traz desafios a essas empresas, como riscos reputacionais e jurídicos relacionados à exploração de trabalhadores precários, além da dependência de um trabalho fragmentado e pouco qualificado.

Um caso foi revelado pela revista Time, que investigou a empresa Sama, parceira da Meta no Quênia, expondo condições problemáticas enfrentadas por microtrabalhadores, especialmente em tarefas como moderação de conteúdo. 

O episódio reacendeu debates sobre a urgência de regular o setor para garantir dignidade, representação e salários justos, ainda mais diante da crescente demanda por trabalho digital impulsionada pela IA.

Conclusão

As microtarefas têm sua importância na cadeia produtiva da inteligência artificial e de muitas outras atividades digitais. Porém, embora ofereçam uma forma flexível de trabalho e renda, especialmente para pessoas em situação econômica mais vulnerável, também expõem questões sobre a precarização e a ausência de direitos trabalhistas.

Em virtude disso, para as empresas, o desafio está em equilibrar os benefícios da agilidade e do custo reduzido com a responsabilidade de proteger esses trabalhadores. Tal nuance ganha mais relevância pela ausência de normas na legislação trabalhista no Brasil.

Portanto, o que se deve ter em mente é que, com o avanço acelerado da tecnologia, é cada vez mais urgente discutir regulamentações, no Brasil e em outras partes do mundo, sobre as melhores condições e o respeito à dignidade de quem está por trás dessas microtarefas.

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