O deslocamento para o trabalho, por se relacionar com situações diferentes, gera dúvidas tanto no empregador quanto no empregado. Assim, é necessário entender — com base na legislação trabalhista brasileira e, em alguns casos, na jurisprudência — quais os tipos de deslocamentos, quando tal locomoção se configura jornada, entre outros detalhes.
Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) trouxe dados relevantes que se conectam a isso. Um deles é que, dos mais de 2 mil entrevistados, 21% disseram que ficam entre 1 e 2 horas por dia no trânsito.
Nesse sentido, o tempo que um funcionário leva para chegar até a empresa em que trabalha traz à tona diversos questionamentos. O motivo para isso se dá, sobretudo, em virtude da reforma trabalhista de 2017, afinal, nem tudo se aplica a todos os tipos de trabalhadores, como é o caso daqueles que trabalham em minas de subsolo.
Para tratar o assunto com detalhes, este texto focará os tópicos a seguir:
- O que diz a CLT sobre deslocamento para o trabalho?
- Mudanças na reforma trabalhista
- Tipos de deslocamento
- O que não é reconhecido como deslocamento para o trabalho?
- Cálculo do adicional de deslocamento
- Transferência de funcionários para outras cidades
- Dúvidas frequentes sobre deslocamento para o trabalho

Tenha uma boa leitura!
O que diz a CLT sobre deslocamento para o trabalho?

Ao analisar a CLT, é comum notar a expressão “tempo à disposição do empregador”, geralmente atrelado a uma situação que pode ou não ser considerada jornada de trabalho. É o caso do deslocamento para o trabalho, que, conforme o art. 58, “não será computado na jornada de trabalho”.
Basicamente, o texto define o que é exatamente esse deslocamento ao afirmar que ele se trata do tempo que um empregado leva “desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho”.
É preciso pontuar que esse conceito vale independentemente do meio de transporte que o funcionário usa, incluindo nisso o transporte fornecido pelo empregador. Também se aplica ao deslocamento que o trabalhador faz no retorno para sua casa.
Outro detalhe é quando o funcionário está “aguardando ou executando ordens”, que, como destaca o art. 4 da CLT, configura-se como serviço efetivo.
Se, no deslocamento para outra cidade, o funcionário estiver trabalhando ou aguardando ordens da empresa, esse tempo pode ser considerado parte da jornada. Ele está à disposição do empregador, afinal.
Por fim, é importante citar a existência do Projeto de Lei 236/2025. Ainda em análise na Câmara dos Deputados, ele propõe que o tempo que o trabalhador usa para se deslocar até o trabalho e retornar para casa, usando transporte fornecido pela empresa, possa ser incluído na jornada de trabalho.
Tal cenário se aplica especificamente quando o local de trabalho for de difícil acesso ou não contar com transporte público disponível em todo o percurso, ou mesmo em parte dele.
Mudanças na reforma trabalhista
Antes da reforma trabalhista, que ocorreu no ano de 2017, o tempo que um funcionário levava até o local de trabalho configurava-se jornada de trabalho. Era o que se denominava “hora in itinere”.
Como traz Cláudia José Abud, doutora e mestre em Direito do Trabalho, a hora in itinere é:
“Tempo despendido pelo empregado, no deslocamento de sua residência até o efetivo local de trabalho e seu retorno e que, diante de alguns requisitos (local de difícil acesso e não servido por transporte público regular e condução fornecida pelo empregador), computava na jornada de trabalho”.
Com a reforma trabalhista, porém, tal entendimento foi alterado, pois a hora in itinere não se configura mais como jornada de trabalho. Apesar disso, Cláudia também pontua:
“As horas in itinere não foram expurgadas da jornada de trabalho do empregado de forma total”
Ou seja, ainda é possível concluir que o tempo que o trabalhador gasta entre a entrada na sede da empresa e o local onde ele realmente exerce suas funções deve ser considerado tempo à disposição do empregador.
Isso se justifica pela possibilidade de aplicar, por analogia, regras específicas já existentes na CLT para categorias como os trabalhadores em minas de subsolo. O tempo que eles gastarem “da boca da mina ao local do trabalho e vice-versa será computado para o efeito de pagamento do salário”, conforme art. 294 da CLT.
O mesmo se aplica aos trabalhadores ferroviários, especificamente às turmas de conservação da via permanente. Nesse caso, o “tempo efetivo do trabalho será contado desde a hora da saída da casa da turma até a hora em que cessar o serviço em qualquer ponto compreendido dentro dos limites da respectiva turma”.
Tipos de deslocamento
O deslocamento de funcionários para outras cidades pode acontecer por diversas razões. Nesse sentido, esse deslocamento pode ser classificado em dois tipos: temporário ou permanente. Entenda melhor a seguir.
Deslocamento temporário
Como a expressão sugere, o deslocamento temporário se dá quando um trabalhador precisa, temporariamente, viajar a trabalho para outra cidade por um curto período.
Nesse deslocamento, a empresa se responsabiliza por alguns gastos gerados durante a viagem, que podem ser reembolsados ou custeados diretamente. Os principais são:
- Transporte, como reembolso por quilometragem, passagens (aéreas ou rodoviárias), aluguel de veículos, corridas por aplicativos, etc.;
- Hospedagem;
- Alimentação;
- Inscrição ou entrada em eventos relacionados ao trabalho;
- Custos com impressão, envio de documentos ou materiais;
- Despesas com internet e telefonia em roaming.
Porém, como traz o advogado André Leonardo Couto, nem todos os custos em uma viagem a trabalho são reembolsáveis. Cabe à empresa explicar ao empregado como funciona sua política de reembolso, “pois é comum ver pessoas abusando em viagens corporativas e submetendo até mesmo bebidas alcoólicas para o reembolso”.
Deslocamento permanente
O deslocamento permanente acontece quando o funcionário é transferido definitivamente para uma nova cidade para desempenhar suas funções. Nesse caso, a CLT prevê algumas condições a serem respeitadas para garantir os direitos do trabalhador.
Em termos de jornada de trabalho, o tempo dedicado à empresa nesse processo — inclusive o deslocamento — é considerado tempo de trabalho. Conforme decisão do TST (RR XXXXX-93.2016.5.04.0521), o “tempo gasto no deslocamento entre cidades vizinhas para a consecução dos serviços” em prol da empresa configura-se jornada de trabalho.
Relacionado a isso, o art. 470 da CLT estabelece que “as despesas resultantes da transferência correrão por conta do empregador”. Junto a isso, o colaborador tem direito a um período mínimo de 30 dias para se adaptar à nova cidade.
O que não é reconhecido como deslocamento para o trabalho?
A legislação trabalhista destaca que nem todo deslocamento para o trabalho é considerado jornada de trabalho. Confira a tabela para entender:
Deslocamento | Por que não é considerado jornada? |
Deslocamento entre casa e trabalho (ida e volta). | Após a reforma trabalhista, o tempo gasto no trajeto da residência até o local de trabalho e vice-versa não é mais contabilizado como jornada. |
Transporte fornecido pela empresa sem exigência de atividade. | Ainda que a empresa ofereça transporte aos funcionários, isso não caracteriza jornada de trabalho, desde que eles não estejam desempenhando atividade ou aguardando ordens durante o trajeto. |
Viagens sem vínculo com atividades laborais diretas. | Quando o deslocamento acontece fora do expediente e não é exigido pela empresa, como em uma viagem pessoal para participar de um curso opcional, esse tempo não conta como jornada de trabalho. |
Intervalo entre turnos. | Se o funcionário tiver um intervalo considerável entre turnos e precisar se deslocar, esse tempo também não é contabilizado na jornada. Afinal, conforme o art. 71, § 2º, da CLT, os “intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho”. |
Cálculo do adicional de deslocamento

O adicional de deslocamento, que se trata da compensação financeira que cobre os custos extras que um trabalhador tem ao se deslocar a outra localidade a serviço da empresa, tem um cálculo específico.
Esse adicional inclui despesas com transporte, hospedagem e alimentação. É uma forma de garantir que o funcionário não tenha prejuízo durante o período de deslocamento.
Além desses gastos, outro valor que pode entrar no cálculo do adicional de deslocamento é descrito no § 3º, do art. 469 da CLT. Ou seja, em caso de deslocamento permanente, quando a empresa transferir o colaborador para outra localidade.
Nesse cenário, o empregador fica obrigado a realizar o chamado adicional de transferência:
“um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% (vinte e cinco por cento) dos salários que o empregado percebia naquela localidade, enquanto durar essa situação”.
Transferência de funcionários para outras cidades
A transferência de funcionários para outras cidades ocorre quando o colaborador precisa mudar de cidade de forma permanente. Tal deslocamento se dá a pedido da empresa para executar suas atividades em outra localidade.
Nesse sentido, é necessário entender que a expressão “outra localidade” refere-se à transferência do trabalhador que envolve sua mudança de domicílio. Sob a ótica da legislação civil, domicílio diz respeito ao lugar onde a pessoa reside com ânimo definitivo.
Esse deslocamento de funcionários para outras cidades pode ocorrer por diversos motivos, como:
- Quando a empresa está se expandindo ou se reestruturando;
- A abertura de novas filiais;
- Em caso de a empresa precisar dar suporte, técnico ou gerencial, em outra unidade.
Documentos necessários para formalizar um deslocamento
Quando uma empresa transfere um colaborador para outra localidade, ela tem de organizar a documentação necessária. É assim que ela torna o processo transparente e evita conflitos trabalhistas.
Entre os principais documentos para formalizar esse deslocamento permanente estão:
- Aviso formal da empresa: um comunicado, por escrito, que informa ao funcionário sobre a transferência;
- Termo de transferência: documento que descreve a nova localidade em que o funcionário trabalhará, a data de início e eventuais compensações ou benefícios oferecidos;
- Aditivo contratual: necessário caso haja alterações nas condições originais do contrato de trabalho;
- Carta de apresentação: esse documento é útil quando o colaborador é integrado a uma nova equipe com a qual nunca teve contato;
- Notificações legais: em situações específicas, pode ser necessário comunicar a mudança a órgãos reguladores ou entidades de classe.
Dúvidas frequentes sobre o deslocamento para o trabalho

O deslocamento para o trabalho, por conta de suas possibilidades, exceções e tipos, acaba tendo diferentes nuances. A seguir, confira alguns questionamentos, também relacionados a esse tema, para entender melhor.
O deslocamento para o trabalho é considerado hora extra?
Depende da situação. A regra geral após a reforma trabalhista é que o tempo de trajeto entre a casa e o trabalho (ou vice-versa) não é computado como jornada de trabalho, mesmo que o local seja de difícil acesso e a empresa forneça transporte.
Porém, há exceções, e é aí que o deslocamento para o trabalho pode ser considerado tempo à disposição do empregador. Ou seja, pode contar como jornada e, eventualmente, gerar hora extra. Algumas situações em que isso pode acontecer são:
- Quando o trajeto acontece no horário de trabalho e está ligado à execução de tarefas;
- Se o colaborador estiver em viagem corporativa e o deslocamento for necessário para cumprir a agenda do empregador;
- Nos casos de transferência de funcionário.
Quais são os benefícios para os funcionários em deslocamento?
Funcionários que se deslocam a trabalho têm direito a alguns benefícios que visam compensar os custos e impactos dessa mobilidade. Ou seja, o reembolso de despesas com transporte, hospedagem e alimentação, além do possível pagamento de horas extras.
O deslocamento para o trabalho conta como jornada?
Pela regra geral da CLT, o tempo de deslocamento para o trabalho não conta como jornada. Apesar disso, há exceções, pois tal deslocamento pode ser considerado parte da jornada de trabalho se:
- O trajeto ocorrer no horário de expediente;
- O funcionário estiver em viagem a serviço da empresa;
- Comprovar-se que o empregado está à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, conforme o já citado art. 4º da CLT.
Conclusão
O deslocamento para o trabalho, embora aparente ser um tema simples, relaciona-se com diversos cenários que, se não forem observados corretamente por parte das empresas, podem lhes causar complicações legais.
Assim, seja em viagens pontuais que os funcionários fazem a trabalho ou transferências definitivas, a empresa tem de saber como funciona o cálculo do adicional de deslocamento e, no caso do deslocamento permanente, pagar um valor extra ao funcionário, que deve ser de no mínimo 25% do salário que ele recebia antes da mudança.
Além disso, como foi possível entender ao longo deste conteúdo, o deslocamento para o trabalho também pode, a depender do caso, gerar direito a horas extras.
Também é necessário que as empresas acompanhem as atualizações relativas ao Projeto de Lei 236/2025, que, se aprovado, trará mudanças envolvendo deslocamento para o trabalho.
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