A relação entre saúde e trabalho tem sido objeto de atenção no Brasil desde a implementação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, conhecido pela sigla NTEP. A metodologia, que foi concebida para aprimorar a identificação de doenças ocupacionais, tem gerado dúvidas sobre os impactos dela nas empresas.
O número de problemas de saúde no local de trabalho cresceu nos últimos anos. Entre 2007 e 2022, o SUS atendeu quase 3 milhões de casos de doenças ocupacionais, conforme dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). A maioria das notificações (52,9%) estava relacionada a acidentes de trabalho graves.
Um mecanismo como o NTEP tem impacto direto na maneira como esses acidentes são identificados e geridos pelas empresas. Para explicar mais sobre isso, este artigo oferece diretrizes sobre como funciona o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário e o impacto dele na gestão ocupacional. Confira, na lista abaixo, o que será explicado mais adiante:
- O que é o NTEP?
- O papel do NTEP na gestão de saúde ocupacional
- Como o NTEP funciona?
- Como o NTEP afeta as empresas?
- Riscos ocupacionais e doenças relacionadas ao NTEP
- Como prevenir o enquadramento de doenças ocupacionais na empresa?
- É possível contestar a aplicação do NTEP?

Conheça os desafios e as estratégias para lidar com os impactos do NTEP!
O que é o NTEP?

O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) é uma metodologia implementada pela Previdência Social para estabelecer a relação entre determinadas doenças ou lesões e as atividades profissionais desempenhadas pelos trabalhadores.
Introduzido pela Lei n.º 11.430/2006 e vigente desde 1º de abril de 2007, o NTEP tem como objetivo identificar, com base em critérios estatísticos e epidemiológicos, quais enfermidades estão associadas a específicas atividades laborais.
Tipos de Nexos Técnicos Previdenciários (NTP)
O NTEP é apenas um dos tipos de Nexos Técnicos Previdenciários (NTP) usados pela Previdência Social. Conheça mais sobre todos os tipos:
- Nexo Técnico Profissional ou do Trabalho: ocorre quando há uma relação direta entre a atividade profissional e a doença do trabalhador, conforme estabelecido pelas listas A e B do Anexo II do Decreto n.º 3.048/99. Esse nexo dispensa comprovação individual, pois já há uma correlação reconhecida entre certas ocupações e determinadas enfermidades;
- Nexo Técnico Individual: nexo que considera situações de cada trabalhador, analisando acidentes típicos, de trajeto ou doenças decorrentes de condições especiais do ambiente de trabalho;
- Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP): baseia-se em estatísticas epidemiológicas que correlacionam doenças a determinadas categorias profissionais.
Como existem diferentes formas de vínculo entre a atividade laboral e o adoecimento, o NTP é dividido nesses tipos. São instrumentos para proteção dos direitos dos trabalhadores e definição das responsabilidades das empresas
O papel do NTEP na gestão de saúde ocupacional
A presunção automática do nexo causal pelo NTEP coloca as empresas diante de desafios na gestão da saúde ocupacional. Afinal, uma das mudanças introduzidas pela metodologia é a inversão do ônus da prova.
Antes do NTEP, era do trabalhador a tarefa de comprovar que a doença ou lesão estava relacionada ao trabalho. Com o NTEP, essa responsabilidade é transferida às empresas, que devem demonstrar que a enfermidade não tem relação com as atividades laborais.
Como o NTEP funciona?
O funcionamento do NTEP baseia-se no cruzamento entre os códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e os da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Por meio dessa correlação, é possível verificar a incidência de determinadas doenças em setores específicos da economia.
Por exemplo, no setor de abate de animais (CNAE 1011-2/01), é comum a ocorrência de transtornos osteomusculares, como dorsopatias (CID M54). Devido à repetitividade e aoesforço físico exigidos nessas atividades, há uma alta incidência dessas doenças entre os trabalhadores desse setor.
Assim, diagnosticando um trabalhador desse segmento com dorsopatia, o NTEP presume a relação entre a doença e a atividade profissional.
Como o NTEP afeta as empresas?
Abaixo, estão detalhes de como o NTEP pode impactar a rotina e o orçamento das empresas, com foco em dois pontos principais: o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e a concessão de benefícios pelo INSS.
Implicações para o pagamento do Fator Acidentário de Prevenção (FAP)
O Fator Acidentário de Prevenção (FAP) é um multiplicador aplicado à alíquota do Risco Ambiental do Trabalho (RAT). O valor do RAT varia entre 1% e 3% da folha de pagamento, dependendo do risco da atividade econômica. Esse percentual pode ser reduzido em até 50% ou elevado em até 100% de acordo com o histórico de afastamentos da empresa.
O FAP é calculado com base na quantidade e gravidade de afastamentos por doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. O NTEP, por presumir automaticamente o nexo entre uma doença e a atividade econômica da empresa, aumenta o número de benefícios acidentários concedidos, impactando diretamente a alíquota do FAP.
Exemplo: uma empresa do setor frigorífico (CNAE 1011-2/01) tem 500 funcionários e uma folha de pagamento mensal de R$ 2 milhões. Se a alíquota do RAT for 2%, o custo mensal será de R$ 40 mil (2% de R$ 2 milhões).
Se a empresa tem um alto índice de afastamentos devido a doenças como tendinite (CID M75) e lombalgia (CID M54), e esses casos forem enquadrados como acidentários pelo NTEP, o FAP pode aumentar de 1,0 para 2,0. Isso dobraria o valor do RAT, elevando o custo mensal para R$ 80 mil, o que representa acréscimo de R$ 480 mil por ano na carga tributária.
No geral, as empresas com maior incidência de acidentes e doenças ocupacionais podem ter o FAP majorado. Por outro lado, empresas que investem em prevenção e apresentam baixos índices de acidentalidade se beneficiam com a redução do FAP.
Impacto do NTEP na concessão de benefícios pelo INSS
Com o NTEP, o INSS pode presumir que a doença de um trabalhador está relacionada ao trabalho, classificando o benefício como acidentário (B91). Quando o trabalhador for afastado por mais de 15 dias com um B91, tem garantia de emprego por um ano após o retorno. Isso pode limitar a empresa em processos de reestruturação e gestão de equipe.
No caso de um B91, os primeiros 15 dias de afastamento continuam sendo pagos pela empresa, e o tempo fora do trabalho pode ser mais longo do que no auxílio-doença comum (B31), impactando a produtividade de um setor.
Riscos ocupacionais e doenças relacionadas ao NTEP
Determinadas doenças são mais frequentemente associadas ao Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) devido a fatores como alta incidência estatística em certos setores, dificuldade de prevenção completa no ambiente de trabalho e tempo prolongado de exposição a agentes de risco.
Abaixo, confira a lista das principais doenças ocupacionais relacionadas ao NTEP e seus riscos associados:
- Riscos físicos (ruído, calor, vibração ou radiação): perda auditiva induzida por ruído (PAIR), catarata por exposição à radiação, estresse térmico;
- Riscos químicos (exposição a substâncias tóxicas): pneumoconioses, intoxicações e dermatites ocupacionais;
- Riscos biológicos (vírus, bactérias, fungos): tuberculose, leptospirose e hepatites virais em profissionais de saúde;
- Riscos ergonômicos (esforço repetitivo, má postura ou carga mental): LER/DORT, lombalgia, transtornos de ansiedade e depressão;
- Riscos mecânicos e de acidentes (máquinas, quedas ou eletricidade): fraturas, amputações, queimaduras, lesões traumáticas.
Algumas doenças apresentam maior dificuldade de contestação no NTEP devido à sua correlação estatística mais evidente. Por exemplo, a LER/DORT em digitadores e a pneumoconiose em trabalhadores da mineração são frequentes, o que torna mais difícil para as empresas provarem que esses casos não estão ligados ao ambiente de trabalho.
Como prevenir o enquadramento de doenças ocupacionais na empresa?
Existe uma série de medidas preventivas capazes de minimizar os riscos de adoecimento dos trabalhadores de uma empresa e reduzir a incidência de benefícios acidentários concedidos pelo INSS por meio do NTEP.
Por exemplo, a implementação de um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e de um Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) é obrigatória para diversas atividades. Esses programas devem incluir:
- Identificação e análise de riscos ocupacionais;
- Medidas de controle para eliminar ou minimizar exposições nocivas;
- Monitoramento das condições de trabalho;
- Exames médicos para detecção precoce de doenças.
Quando bem aplicados, os programas PGR e PCMSO evitam o surgimento de doenças e reduzem as chances de reconhecimento de nexos previdenciários.
Em relação às normas regulamentadoras, a NR-17 estabelece as diretrizes para a adaptação das condições de trabalho às características dos trabalhadores, o que contribui para a redução de riscos de doenças osteomusculares e transtornos mentais. Nesse caso, a empresa deve:
- Ajustar mobiliário e equipamentos para evitar esforços repetitivos;
- Implementar pausas para recuperação física e mental;
- Controlar a jornada de trabalho para evitar sobrecarga;
- Promover ginástica laboral para reduzir fadiga muscular.
Essas práticas previnem doenças como LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), uma das principais causas de enquadramento no NTEP.
Thiago Liguori, médico e diretor de saúde da Pipo Saúde, confirma a importância desse foco na saúde no local de trabalho: “É muito importante que todo o time tenha a percepção de que é uma jornada de longo prazo e que necessita de investimento, não necessariamente financeiro, mas de tempo e dedicação das pessoas envolvidas. Ter psicólogos e profissionais da saúde apoiando demanda tempo e energia”.
É possível contestar a aplicação do NTEP?

Sim, é possível contestar a aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) quando a empresa discorda da presunção automática de que determinada doença ou lesão está relacionada ao ambiente de trabalho.
Para isso, a empregadora precisa protocolar o pedido de contestação no INSS até 15 dias após a data prevista para a entrega da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP) referente ao mês em que ocorreu a concessão do benefício. O não cumprimento do prazo gera o indeferimento da contestação em instância administrativa.
Papel do RH e do jurídico na contestação do nexo epidemiológico
O RH é a linha de frente na gestão da saúde ocupacional, porque é o setor responsável por acompanhar o bem-estar dos trabalhadores e as condições de trabalho. No contexto da contestação do NTEP, suas responsabilidades incluem:
- Monitorar os benefícios concedidos aos empregados, verificando se o INSS enquadrou determinada doença como acidentária com base no NTEP;
- Em casos de enquadramento indevido, é necessário apresentar evidências concretas, como Laudo Técnico das Condições do Ambiente de Trabalho (LTCAT), Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), Análise Ergonômica do Trabalho (AET) e outros documentos que descrevam as condições reais da função exercida.
No caso do setor jurídico, a maior tarefa dos profissionais é transformar as informações fornecidas pelo RH em uma defesa contra eventuais processos de enquadramentos indevidos pelo INSS. Suas principais funções são:
- Avaliar se há base legal e documental para questionar o nexo epidemiológico;
- Com base na documentação técnica, redigir o pedido de contestação, demonstrando que o trabalhador não esteve exposto a fatores de risco compatíveis com a doença diagnosticada;
- Caso o INSS negue a contestação, recorrer administrativamente e, se necessário, buscar medidas judiciais para reverter a decisão.
Conclusão
Fica claro que o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) tem um impacto sobre as empresas. Os efeitos vão desde os custos previdenciários até a gestão de saúde ocupacional e de pessoas.
Mas, apesar dos desafios que sua aplicação pode trazer, é possível lidar com seus efeitos por meio de uma estratégia baseada na prevenção, no monitoramento de afastamentos e na contestação de enquadramentos indevidos.
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