Entender quando a empresa pode descontar atestado é importante para que se respeite os direitos trabalhistas. Afinal, quando um funcionário apresenta esse documento à empresa, ela deve seguir o que diz a legislação brasileira. Só assim evitará ações trabalhistas.
De acordo com a legislação, atestados médicos válidos, emitidos por profissionais habilitados e dentro do prazo legal, devem ser aceitos pela empresa como justificativa para faltas, sem prejuízo ao salário do trabalhador, dentro de determinados limites.
Essa importância ganha ainda mais nuances diante dos dados do Ministério da Previdência Social a respeito dos afastamentos de trabalho. Em 10 anos, o maior número desses afastamentos se deu em 2024: ao todo, foram mais de 472 mil licenças concedidas por transtornos mentais, um crescimento de 68% em comparação com o ano anterior.
Além desse dado, que implica o aumento de atestados nas empresas, entender as regras relativas a esses documentos também é importante porque, dependendo da situação, uma organização pode ou não descontar os dias de ausência de seus funcionários.
Para explicar esse tema mais afundo, este texto abordará os tópicos a seguir:
- O que diz a CLT sobre atestados médicos?
- Atestado médico pode ser descontado do salário?
- Quando a empresa pode descontar o atestado?
- O que fazer quando o atestado médico for descontado?

Tenha uma ótima leitura!
O que diz a CLT sobre atestados médicos?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê várias situações em que o atestado médico é necessário para garantir direitos dos trabalhadores, especialmente no caso das mulheres.
Quando envolve uma funcionária gestante, por exemplo, o artigo 392 assegura o direito à licença-maternidade de 120 dias, sem perda do salário e do emprego. Tudo o que ela precisa fazer é, “mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do início do afastamento do emprego”.
Outro aspecto legal atrelado à apresentação de atestado médico para faltas justificadas é que o trabalhador pode se ausentar até 3 dias, em cada período de 12 meses, para fazer exames preventivos de câncer. Assim como no cenário anterior, só é necessário que ele comprove com um atestado médico (art. 473, inciso XII).
O artigo 473 da CLT e os afastamentos legais
O artigo 473 da CLT define situações em que o funcionário pode se ausentar do trabalho sem que isso gere desconto no salário. Tais afastamentos são uma forma de assegurar o equilíbrio entre as responsabilidades dele e sua vida pessoal.
Entre os motivos justificam o afastamento sem desconto do salário estão:
- Luto: até 2 dias consecutivos em caso de falecimento do cônjuge, pais, filhos, irmãos ou pessoa economicamente dependente, desde que registrada na Carteira de Trabalho (inciso I);
- Casamento: até 3 dias consecutivos de ausência justificada;
- Nascimento de filho: 5 dias corridos contados a partir do nascimento do filho, conforme o parágrafo único do artigo, também aplicável em casos de adoção legal ou guarda judicial compartilhada;
- Doação de sangue: 1 dia a cada 12 meses, mediante comprovação da doação voluntária em entidade oficial (inciso IV);
- Alistamento eleitoral: até 2 dias, seguidos ou não, para regularização do título de eleitor;
- Serviço militar obrigatório: afastamento pelo tempo necessário ao cumprimento das obrigações conforme a Lei do Serviço Militar (Lei nº 4.375/1964);
- Realização de provas: direito a ausência nos dias de aplicação de vestibulares ou exames de admissão ao ensino superior, desde que haja comprovação (inciso VII);
- Audiência judicial: liberação pelo tempo necessário para comparecimento a juízo;
- Representação sindical: quando o trabalhador representar entidade sindical em reuniões oficiais de organismos internacionais dos quais o Brasil seja membro (inciso IX);
- Acompanhamento pré-natal: o pai tem direito a se ausentar em até 6 consultas médicas ou exames complementares da gestante;
- Consulta pediátrica: até 1 dia por ano para acompanhamento de filho de até 6 anos em consulta médica;
- Exames preventivos de câncer: até 3 dias por ano, mediante comprovação da realização dos exames (inciso XII).
Diferença entre falta justificada e abonada
Do ponto de vista da legislação trabalhista, embora empregadores e empregados façam uma distinção entre a “falta justificada” e a “falta abonada”, na prática, toda falta amparada por um motivo legal ou razoável não pode gerar desconto no salário do trabalhador, sendo, portanto, abonada.
Como traz o advogado Edgar Yuji Ieiri, a falta justificada não é punida (com demissão por justa causa, por exemplo), uma vez que “deve ser considerado que o empregado não compareceu ao trabalho por um motivo justo/razoável ou previsto em lei”.
Enquanto isso, complementa o advogado, a falta abonada se dá “quando a falta do empregado, além de não gerar nenhuma punição, não acarreta nenhum desconto salarial, já que teve um motivo justo” e, justamente por conta disso, não há uma diferença entre esses dois conceitos, já que “todas as faltas justificadas são abonadas”.
Atestado médico pode ser descontado do salário?

Outra dúvida comum é se a empresa pode descontar atestado médico ao fazer o cálculo do salário. A resposta é não: segundo a Lei 605/1949, a ausência por motivo de doença, quando comprovada por atestado médico, é considerada falta justificada. Isso está descrito no artigo 6º, § 1º, alínea “f”.
Pode descontar vale-alimentação com atestado médico?
Não, o vale-alimentação não deve ser descontado quando o funcionário apresenta um atestado médico para a empresa: como abordado, trata-se de uma falta justificada.
As decisões da Justiça do Trabalho acompanham esse entendimento, considerando que o vale-alimentação é um benefício e não uma obrigação, por isso, a ausência justificada não deve impactar o recebimento. Como pontua o advogado Alexandre Ferreira:
“Para a maioria dos juízes do Trabalho, o empregador não pode descontar o vale-alimentação em caso de entrega de atestado médico pelo trabalhador exatamente porque, com a entrega de atestado médico, o trabalhador está justificando a sua falta e, por isso, o vale-alimentação, que é pago por mês para o empregado, não pode sofrer nenhum desconto”
Atestados podem ser descontados do vale-transporte?
Sim, o afastamento por atestado médico gera desconto no vale-transporte. Como o benefício é exclusivo para o trajeto casa-trabalho, em caso de falta justificada com atestado médico, a empresa pode descontar os vales não utilizados.
Acerca disso, o advogado Lucas Costa explica:
“Existem alguns benefícios que, mesmo o trabalhador justificando a sua ausência, são descontados porque eles são pagos só pelos dias efetivamente trabalhados. É o caso do vale-transporte e também do vale-refeição”
Há, porém, um detalhe importante: se o empregado comparecer ao trabalho, ainda que só por meio período, ele mantém o direito ao vale-transporte daquele dia. O desconto só pode ocorrer nos dias em que acontecer ausência integral.
Atestado pode ser descontado no acerto?
Não, o atestado não pode ser descontado no acerto, ou seja, na rescisão do contrato de trabalho. Como discutido até aqui, este documento justifica a ausência do empregado e, portanto, não afeta o pagamento de verbas rescisórias.
Nesse sentido, vale ressaltar o que afirma o advogado Berguison Barreto, quando ele diz que os “atestados não são descontados nem no momento que você entrega eles, ou seja, naquele mês, naquela folha de pagamento […] e, muito menos, quando você sai da empresa por meio do pedido de demissão ou é mandado embora sem justa causa”.
Quando a empresa pode descontar o atestado?
Embora esse documento médico, quando legítimo e apresentado corretamente, garanta ao trabalhador o direito de faltar sem desconto salarial, há casos em que a empresa pode descontar atestado relativo a esses dias. Confira os principais a seguir:
Atestado não homologado ou sem validade legal
Se o atestado não tiver os elementos obrigatórios, como identificação do médico e número de registro no conselho profissional (CRM), a empresa pode recusá-lo e descontar os dias não trabalhados. O mesmo vale se o atestado for emitido por profissionais não habilitados.
Apresentação fora do prazo
Entregar o atestado médico depois do prazo definido pela empresa ou previsto em norma coletiva também pode fazer a empresa descontar o atestado. Em geral, esse prazo varia de 24 a 72 horas após o início da ausência.
Sobre isso, é importante pontuar o que aconselha a advogada Luana Moitinho:
“A exigência de um prazo de 72 horas para a entrega de atestado médico pode ser considerada uma prática adotada pela empresa para garantir a organização do trabalho, desde que esteja prevista no contrato de trabalho, regimento interno ou norma regulamentadora da empresa”
Atestados não reconhecidos ou fraudulentos
A empresa pode descontar atestado quando ele não é emitido por profissionais habilitados ou que tenha sido forjado ou adulterado com o objetivo de justificar faltas de forma indevida.
Um exemplo disso foi uma decisão da Justiça do Trabalho que manteve a demissão por justa causa de uma funcionária que falsificou um atestado médico. A trabalhadora alterou o documento para ampliar o período de afastamento de 1 para 9 dias.
Nas palavras do juiz Luciano José de Oliveira, a trabalhadora “foi dispensada, corretamente, por ter cometido falta grave, com base no art. 482, “a”, da CLT – ato de improbidade, em razão de apresentar atestado falso”.
O que fazer quando o atestado médico for descontado?

Ainda que o atestado, em regra, justifique a ausência e garanta o pagamento dos dias não trabalhados, podem acontecer equívocos ou abusos por parte da empresa. Nesses casos, o trabalhador tem caminhos para se defender. Entenda a seguir:
Como o trabalhador pode contestar o desconto?
O primeiro passo é verificar se o atestado foi entregue dentro do prazo estipulado pela empresa ou previsto em acordo coletivo. Também é preciso ver se o documento contém todas as informações exigidas.
Se o trabalhador, após isso, identificar que tudo está certo, o ideal, inicialmente, é procurar o setor de RH e solicitar, por escrito, a revisão do desconto com base na legislação trabalhista.
Quando recorrer ao sindicato ou à Justiça do Trabalho?
Como dito, o ideal, à princípio, é buscar auxílio do time de recursos humanos, porém, se a empresa mantiver o desconto após o pedido de correção, o trabalhador pode acionar o sindicato da categoria. Ele poderá intermediar uma solução e orientar o empregado.
Se o problema não for resolvido, o último recurso é procurar a Justiça do Trabalho. O trabalhador pode entrar com uma reclamação trabalhista pedindo a devolução dos valores descontados indevidamente.
Um exemplo disso foi o caso de um funcionário da AMBEV que teve salários descontados por entregar o atestado fora do prazo interno de 48 horas. A Justiça do Trabalho, no processo ROT XXXXX-63.2018.5.04.0023 do TRT da 4ª Região, considerou a regra da empresa inválida, determinou a devolução dos valores e negou o recurso da empregadora.
Conclusão
A empresa pode descontar atestado, mas nem sempre. A legislação brasileira garante ao trabalhador o direito de apresentar atestado médico para justificar ausências. O desconto, porém, só vale em alguns casos, como quando o funcionário frauda o atestado.
Os empregados, uma vez cientes de que não podem descontar atestado quando bem entenderem, conseguem se manter dentro da legalidade. Ao mesmo tempo, mantém seus funcionários satisfeitos profissionalmente, afinal, eles sabem que estão sendo respeitados.
Além disso, como abordado neste artigo, caso o empregado identifique um desconto indevido, é recomendável que ele busque seus direitos. O que não pode acontecer é ele ser prejudicado financeiramente por um desconto que não deveria ser feito.
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