A psicodinâmica do trabalho não é uma abordagem recente. Ela surgiu na França, na década de 1980, desenvolvida principalmente pelo psiquiatra e psicanalista Christophe Dejours.
Reconhecido como um dos principais nomes da área, Dejours foi responsável por consolidar essa linha de pensamento, originada na chamada Escola da Psicopatologia do Trabalho.
Embora não seja nova, a psicodinâmica ganhou destaque nos últimos anos devido ao aumento de casos de doenças mentais relacionadas ao trabalho. Somente em 2024, o Brasil registrou quase meio milhão de afastamentos por questões de saúde mental.
Esse é o maior número em pelo menos dez anos. Diante desse cenário, a psicodinâmica surgiu como uma estratégia para promover ambientes mais saudáveis e evitar o adoecimento dos funcionários.
Pensando nisso, este artigo explicará o que é psicodinâmica do trabalho, qual a importância dessa abordagem e como ela pode ser aplicada pelo setor de Recursos Humanos (RH). Para isso, serão abordados os seguintes tópicos:
- O que é psicodinâmica do trabalho?
- Quais são os pilares da psicodinâmica do trabalho?
- Qual é a importância da psicodinâmica no trabalho?
- Como aplicar a psicodinâmica do trabalho no RH e na liderança?

Boa leitura!
O que é psicodinâmica do trabalho?

A psicodinâmica do trabalho é um campo de estudo multidisciplinar que integra conhecimentos da ergonomia, sociologia, psicanálise, psicologia e medicina do trabalho. O objetivo é compreender a relação entre o trabalho l e a saúde mental dos colaboradores .
Inicialmente, seu foco era investigar o impacto do ambiente laboral no adoecimento psíquico. Com o tempo, essa área também passou a considerar o trabalho como uma possível fonte tanto de sofrimento quanto de realização.
Além disso, ela começou a analisar as estratégias de defesa, conscientes ou inconscientes, que os profissionais adotam para lidar com os desafios emocionais da rotina corporativa.
Dejours propõe que o trabalho influencia não apenas a saúde, mas também a construção da subjetividade e da identidade do indivíduo. Ou seja, a forma como a atividade laboral é organizada e vivida pode afetar diretamente a vida psíquica de uma pessoa.
Qual é o objetivo da psicodinâmica do trabalho?
A psicodinâmica busca compreender os aspectos subjetivos e psíquicos mobilizados nas relações e na organização do trabalho. Em outras palavras, seu objetivo é entender como a atividade profissional impacta a saúde mental e a vida emocional dos colaboradores.
E isso exige a análise do que está por trás das tarefas do dia a dia do trabalhador, incluindo como ele se sente, quais são suas motivações, seus sofrimentos e as estratégias que adota para lidar com esses desafios.
Para alcançar esse entendimento, a psicodinâmica utiliza uma metodologia chamada clínica do trabalho. Essa abordagem combina pesquisa com intervenção prática no ambiente corporativo, por meio da escuta ativa, análise de situações concretas e construção coletiva de sentido sobre a atividade profissional.
O foco é compreender as relações subjetivas que emergem da vivência cotidiana do colaborador. Ou seja, como ele percebe o trabalho e de que forma isso afeta sua identidade, autoestima e até sua vida pessoal. A partir disso, é possível melhorar a maneira como o trabalho é vivido e interpretado pelas pessoas.
Quais são os pilares da psicodinâmica do trabalho?
O psiquiatra Christophe Dejours organizou a psicodinâmica do trabalho em categorias que ajudam a compreender como a atividade profissional pode resultar em prazer, sofrimento, saúde ou adoecimento. Duas dessas categorias são consideradas pilares fundamentais da área. Conheça cada uma a seguir:
Organização do trabalho como fonte de sofrimento ou prazer
Esse pilar analisa como o ambiente e a estrutura organizacional influenciam o bem-estar dos profissionais. Isso exige a análise de vários fatores ligados à organização, às condições e às relações de trabalho, tais como:
- Divisão de tarefas e responsabilidades;
- Modelos de gestão e controle;
- Nível de autonomia e participação;
- Ergonomia e exposição a riscos;
- Clima organizacional e cultura da empresa;
- Relações interpessoais (com líderes, colegas, clientes e fornecedores).
Ou seja, a forma como o trabalho é estruturado do ponto de vista técnico e humano pode gerar satisfação e engajamento ou, ao contrário, provocar estresse, frustração e sofrimento psíquico.
A psicodinâmica aponta que ambientes com baixa autonomia, excesso de controle, metas inatingíveis e relações hierárquicas autoritárias tendem a intensificar o sofrimento no trabalho.
Já contextos mais saudáveis, com espaço para escuta, participação e reconhecimento, favorecem experiências positivas que contribuem para a saúde mental dos colaboradores.
Subjetividade e mobilização do trabalhador diante de suas exigências
O segundo pilar analisa como o trabalhador interpreta, sente e reage à sua atividade profissional. Isso envolve a avaliação de aspectos como desejos, expectativas, valores pessoais, identidade profissional, sentido atribuído ao trabalho e emoções (como prazer, angústia, medo ou orgulho).
Esse tipo de análise revela que uma mesma função pode ser fonte de realização para uns e de desgaste para outros. Afinal, cada indivíduo responde de forma distinta às pressões do ambiente corporativo. E o sofrimento gerado por essas experiências pode se manifestar de duas maneiras:
- Sofrimento criativo: ocorre quando o profissional consegue transformar os desafios em crescimento pessoal e reconhecimento;
- Sofrimento patogênico: surge quando não há possibilidade de mudança e o trabalhador se vê preso a um ambiente que compromete sua saúde e identidade.
Para enfrentar esse sofrimento, muitos desenvolvem estratégias de defesa, ou seja, mecanismos (conscientes ou não) que buscam facilitar a adaptação às exigências do trabalho e preservar o equilíbrio mental. Entre elas, estão os rituais, o uso do humor e a racionalização, com pensamentos como “pelo menos eu tenho um emprego”.
Redução de afastamentos e rotatividadeA psicodinâmica ajuda a identificar sinais e fontes de sofrimento, como cobranças excessivas e falta de reconhecimento. A partir dessas informações, a empresa pode ajustar condutas e políticas internas para minimizar esses fatores e oferecer um ambiente mais equilibrado para os profissionais.
Além de prevenir doenças ocupacionais, essa postura ajuda a reduzir os afastamentos e a rotatividade de funcionários. Afinal, eles tendem a permanecer em locais onde se sentem valorizados e respeitados.
Aumento do engajamento e do bem-estar no trabalho
Conforme explicado, a psicodinâmica avalia os mecanismos de prazer e sofrimento no ambiente de trabalho. Avaliando esses dois aspectos, fica mais fácil encontrar caminhos práticos para tornar a experiência do trabalho mais positiva.
Geralmente, quando os colaboradores encontram significado no que fazem, têm autonomia e recebem reconhecimento, sentem-se mais motivados e comprometidos com a organização. Isso se reflete em maior engajamento, bem-estar e fortalecimento do vínculo com a empresa.
Melhora do clima organizacional
A psicodinâmica envolve a adoção de uma abordagem clínica que propõe intervenções importantes no ambiente de trabalho, como a criação de espaços seguros para discussão coletiva.
Ela também exige o desenvolvimento de lideranças mais empáticas e atentas, capazes de reconhecer sinais de estresse em suas equipes e atuar como mediadoras nas relações interpessoais.
Com o tempo, os times se tornam mais unidos e colaborativos, mais transparentes em sua comunicação e ainda constroem relações baseadas na confiança mútua. Tudo isso ajuda a aliviar tensões que comprometem o trabalho em equipe, melhorando o clima organizacional.

A adoção dessa abordagem na empresa exige que o RH e a liderança estejam comprometidos com mudanças para tornar o ambiente de trabalho mais saudável e produtivo. Para isso, eles podem adotar algumas estratégias. Conheça as principais a seguir.
Identifique sinais precoces de sofrimento psíquico na equipe
O adoecimento mental no trabalho muitas vezes se manifesta por meio de sinais sutis, como queda de produtividade, absenteísmo, irritabilidade, isolamento ou desmotivação. Por isso, é importante que o RH e os gestores estejam atentos a pequenas alterações no comportamento dos colaboradores.
Quanto mais cedo esses sinais forem percebidos, melhor. Dessa forma, é possível agir antes que o problema evolua para quadros mais graves, como burnout, depressão ou ansiedade.
Use reconhecimento profissional como forma de mediação simbólica
O reconhecimento é uma das formas mais importantes de dar sentido ao trabalho e reforçar a identidade do colaborador. Por isso, mais do que oferecer uma remuneração justa, a empresa deve estruturar programas que demonstrem que a empresa enxerga e valoriza os feitos do trabalhador.
Esses programas podem incluir estratégias como participação nos lucros, comissões por vendas, prêmios e bonificações por desempenho, além de reconhecimento público em reuniões ou canais internos de comunicação.
Pratique escuta ativa para transformar sofrimento em construção
Conforme explicado, a escuta ativa é um dos fundamentos da psicodinâmica do trabalho. Para aplicar essa prática, é importante criar canais de comunicação em que os colaboradores possam expressar sentimentos, dificuldades e percepções sem receio de punições ou julgamentos.
“A empresa pode promover espaços seguros e incentivar os funcionários a procurarem ajuda psicológica, criando uma cultura de cuidado com a saúde mental”, completa Carla Souza, coordenadora de marketing da Pontotel.
Essa escuta qualificada ajuda ressignificar o sofrimento e orientar a construção de estratégias que melhorem o ambiente organizacional, tornando-o mais acolhedor, saudável e produtivo.
Capacite líderes para lidar com sofrimento e sentido no trabalho
Segundo Thiago Liguori, médico e diretor de saúde da Pipo Saúde, “quando falamos em cultura de saúde para empresas, um dos grandes desafios é que desde o CEO até a alta diretoria haja um olhar unificado e um entendimento da importância que a saúde traz para a produtividade e o resultado da empresa.”.
Assim, os líderes também têm um papel importante na criação de um ambiente mais saudável. Por isso, eles devem ser preparados para promover um ambiente seguro e empático, como explica Ivone Granadeiro, coordenadora de Talent Acquisition da Totalpass:
“A liderança tem um papel crucial em promover conversas abertas, oferecer suporte emocional e direcionar o time para buscar ajuda profissional, demonstrando compromisso com a saúde mental.”
Para formar esses líderes, a empresa precisa investir na capacitação desses profissionais. Isso pode ser feito por meio de formações em inteligência emocional, comunicação não violenta (CNV), gestão humanizada, entre outros treinamentos que formem líderes conscientes e engajados com o bem-estar da equipe.
Ofereça psicoterapia como apoio preventivo à saúde mental
A psicodinâmica reforça a importância de prevenir transtornos psíquicos, oferecendo suporte antes que o sofrimento se torne patológico. Para isso, a empresa pode incluir a psicoterapia como benefício corporativo a todos os seus funcionários, por exemplo.
Essa iniciativa demonstra o comprometimento da empresa com o bem-estar integral da equipe e pode contribuir para reduzir índices de absenteísmo, rotatividade e queda na produtividade.
“Além de fornecer benefícios, promover a saúde mental reforça que a empresa se preocupa com o bem-estar dos colaboradores, mostrando que são vistos como pessoas, não apenas funcionários”, completa Ivone Granadeiro.
Promova equilíbrio real entre vida pessoal e profissional no modelo de gestão
Ambientes com cargas excessivas de trabalho e competitividade extrema podem facilitar o surgimento de doenças como burnout, estresse e ansiedade. Para prevenir esses problemas, o ideal é adotar práticas que promovam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Essas ações envolvem ajustes no modelo de gestão da empresa, como flexibilização da jornada, possibilidade de home office ou modelo híbrido, além do respeito aos horários de descanso e folgas dos colaboradores.
Conclusão
A psicodinâmica do trabalho busca entender como o trabalho afeta a saúde mental e a vida emocional dos profissionais. Seu objetivo não é transformar o trabalho em si, mas compreender como ele é vivido pelos trabalhadores e quais impactos gera na identidade e no bem-estar.
Para isso, ela analisa os aspectos subjetivos e psíquicos vivenciados no ambiente corporativo, como prazer, sofrimento, motivação, reconhecimento e mecanismos de defesa que os trabalhadores desenvolvem para enfrentar as pressões do cotidiano.
A partir dessa análise, o RH e a liderança podem adotar ações eficazes para reduzir afastamentos, diminuir a rotatividade, aumentar o engajamento e melhorar o clima organizacional.
Para alcançar esses resultados, é importante que a empresa se comprometa com práticas como identificar sinais precoces de sofrimento psíquico, investir em programas de reconhecimento, promover a escuta ativa, capacitar líderes e garantir o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
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